segunda-feira, 26 de março de 2012

Requiem por Antonio Tabucchi

Descobri os romances de Antonio Tabucchi há muitos anos e, embora não me lembre já de qual foi o primeiro que li, lembro-me com perfeita nitidez do entusiasmo que senti e da paixão com que devorei, uma após a outra, todas as obras deste grande escritor italiano. As edições da Quetzal eram estreitas e longas, com um papel mate agradável ao tato e capas muito sóbria. Tinha entretanto começado o mestrado em Literatura Comparada na Faculdade de Letras de Lisboa e encontrei maneira de, em dois dos trabalhos para avaliação, encaixar obras de Tabucchi: Requiem foi uma delas (relação entre ficcionalidade e referencialidade) e Sonhos de sonhos a outra (conceito de autor implícito). Começava assim, sem o saber conscientemente, uma constante na minha investigação académica: estudo preferencialmente os autores de que gosto muito (embora um dia tenha sido aconselhada a evitá-lo) e nunca a visão mais "técnica" dos textos matou o prazer, suficientemente livre, da leitura.
Gosto mesmo muito das obras de Antonio Tabucchi, por estas razões, e mais umas quantas, que passam pelo cruzamento da sua escrita com o drama em gente de Fernando Pessoa, pelo tratamento reiterado do tema da viagem, pelo estilo literário despojado de artificialismos, ou ainda por uma ética implícita que se desprende dos textos. Gostava ainda do que se percebia do homem que se escondia por trás dos múltiplos narradores e das intervenções lúcidas e agudas que, a espaços, ia lendo na imprensa.
Antonio Tabucchi é um escritor que vale a pena conhecer e não é tarde, nunca é tarde porque a grande literatura não morre e os seus livros vão ficar por muitos anos, talvez não nas estantes da frente das livrarias (marketing livreiro oblige), mas no boca a boca de amigos...já leste...?
Hoje recordo Antonio Tabucchi e lembro-me, como numa voz ao fundo da sala mais bela, da emoção sentida ao ler as suas obras. Mais que um requiem, este é, pois, um agradecimento. Até sempre.


(Esta imagem, cuja autoria desconheço, acompanha um artigo de opinião em que Tabucchi explica porque não pôde aceitar o convite para ir ao festival literário de Paraty em 2011: a recusa, por parte do Brasil, da extradição de um cidadão italiano acusado de quatro homicídios. Mais que uma fotografia do autor - por estes dias a blogosfera está cheia deles - fica a representação de um homem que caminha em forma de pássaro, porque já com as asas quebradas ele continuava a insistir na liberdade, e essa lição certamente quereria que ficasse para o futuro.)

sexta-feira, 23 de março de 2012

Com um brilhozinho nos olhos


No absurdo dos dias, é preciso lembrar de olhar nos olhos e procurar o brilhozinho da amizade, do amor e da cumplicidade... Bom fim de semana!

quinta-feira, 22 de março de 2012

Viagem a Bilbau (1)

Ponto de partida: Bilbau não é só o Guggenheim.
Bilbau é um exemplo perfeito de como uma boa ideia pode ser o motor para a transformação de uma cidade, e de como uma regeneração urbana bem pensada impulsiona todo o tecido económico, social e cultural de uma região. Dá inveja olhar para aqueles espaços e pensar que, afinal, nem é assim tão complicado: cria-se um pólo importantíssimo de interesse  numa zona degradada, renova-se toda a linha que une a zona nova à parte histórica da cidade, ao longo da ria, e facilita-se o surgimento de mini-centros de interesse, como jardins, edifícios arquitetonicamente relevantes, comércio diferenciado, serviços de qualidade. Parece fácil mas não deve ser, a avaliar pela escassez de outros casos de sucesso.
Bilbau é uma cidade rica, e nota-se. Nesta altura do ano, em que os turistas são poucos, veem-se sobretudo as pessoas de lá e essas dão uma imagem de desinibição e qualidade de vida, seja nas lojas que se enchem nos finais de dia, seja nas esplanadas na hora das tapas, seja nos jardins onde crianças brincam em grupos, ensaiando as formas de sociabilidade que atravessam gerações de espanhóis.
Faz-se 500 km de carro e é um outro país, uma outra mentalidade, uma outra forma de vida e...a ausência (visível) da crise. Ouvi, de passagem, uma pessoa explicando a outra que tinha havido alterações nas reabilitações que ainda estão em curso, de forma a diminuir os custos. Ainda assim, e ao contrário do território luso, nada está parado: renova-se, constrói-se, compra-se, consome-se.
Ponto de chegada: Bilbau é uma cidade que se recomenda, com o Guggenheim e com tudo o resto, que é muito.







O velho e o novo. Bilbau é feita destes contrastes felizes.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Mais um dia...o da poesia

Afinal, as efemérides não ficam por aqui...no dia mundial da poesia, tomai lá do O'Neill*


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

* Título de um documentário sobre Alexandre O'Neill e também de uma peça de teatro inspirada na sua vida e obra.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Dia dos pais

A todos os pais que um dia estremeceram perante o sorriso adormecido dos seus filhos. Ao meu pai, que partiu prematuramente. Ao pai das minhas filhas, que reinventa o amor em cada gesto quotidiano. Obrigada por existirem, pais presentes e pais presentes de outra maneira.

Os filhos são figuras estremecidas
e, quando dormem, a felicidade
cerra-lhes as pálpebras, toca-lhes
...
os lábios, ama-os sobre as camas.
É por mim que chamam quando temem
o eclipse e o temporal. Trazem nos cabelos
o aroma do leite e da festa das rosas.
Voam-me por entre os dedos, por entre
as malhas da rede de espuma
que lanço a seus pés. Reinam
num sítio de penumbra onde não
me atrevo sequer a dizer quem sou.

José Jorge Letria, in Os Achados da Noite




(Não gosto particularmente dos dias disto e dias daquilo, mas todas as regras admitem exceções e hoje, dia de S.José, quebro esta. Fica o poema e duas páginas de um belo livro para adultos e crianças: P de Pai de Isabel Martins e Bernardo Carvalho, que pode ser visto aqui .)

quinta-feira, 15 de março de 2012

O próximo horizonte

Vou estar, nos próximos dias, aqui.

Prometo uma reportagem de palavras, imagens e sugestões. É mais uma escapada das nossas, a uma cidade que há muito planeavamos conhecer. Por estes dias, andei a comentar o valor de "consumos" como estes, em tempos que parecem convidar a um atrofiamento das vontades (a mais eficaz das formas de submissão). Quando perder o desejo de conhecer outros céus, estarei morta por dentro.

terça-feira, 13 de março de 2012

A minha terra

Uma pergunta recorrente, no quotidiano de qualquer pessoa, é a tão prosaica indagação "de onde é?". Se, para algumas pessoas, enraizadas em locais onde sempre viveram, a resposta é simples, noutros casos, não é bem assim, porque à terra da nascença se somou a terra da criação, a terra onde se vive, e entre ambas (ou as 3, ou as 4, ...) se teceu uma intrincada teia de afetos, partilhas e até mesmo ressentimentos.
De onde é? A resposta pode ser múltipla, mas mais frequemente afirmarei que sou da Guarda, onde vivo há mais de 20 anos e onde pertenço, nessa relação identitária que é sempre provisória e instável, mas nem por isso menos verdadeira.





Ficam, por isso, algumas imagens da minha terra. Mais que fotografias, impressões que vou ensaiando, nesse projeto recente que é a minha iniciação (mais consciente) neste campo.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Quem és tu de novo



O grande Jorge Palma, numa música que não será das mais conhecidas, mas que para mim é das mais belas, na letra como na música. A grande poesia vive (também) aqui. Simplesmente arrepiante.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Viagens (1)

Viajar é, para mim, uma necessidade vital, um prazer que enche cada um dos meus poros e me transfigura, no melhor sentido: sinto-me, a cada partida e a cada regresso, cheia de energia, de confiança e de sonho, como se tudo fosse possível simplesmente porque estiquei as fronteiras do quotidiano até horizontes mais ou menos remotos.
Tudo na viagem me agrada e ponho um cuidado especial naquilo que antecede a partida: escolher destinos, planear a logística, procurar informação, prever roteiros, comprar o que seja necessário, fazer as malas, verificar tudo e sair de casa. Esta pré-viagem é já uma parte fundamental do prazer de viajar e não seria capaz de abdicar dela. Encarrego-me, pois, da planificação da viagem com a maior minúcia e aqui gosto de trabalhar a solo...ao meu companheiro de viagem, que em mim confia para esta tarefa, apresento já soluções, alternativas reduzidas, enfim, o resultado de horas de maturação a que só um tonto chamaria...perder tempo!
Parafraseando a célebre lei de Lavoisier (com liberdade expressiva), pode-se dizer que na viagem nada se perde, nada se cria...tudo se transforma, numa vivência partilhada que deixa na memória a semente para mais dias felizes.





Estas fotografias são, como facilmente se reconhece, dessa ilha de bruma que é a Terceira, nos Açores. Uma viagem no Carnaval de 2011, com o Jorge, que encheu as medidas: o jantar no Boca Negra (recomendação numa rede social), as caminhadas nos Mistérios Negros e no Monte Brasil (percursos escolhidos e impressos antecipadamente), o encontro com a minha ex-aluna Marisa e a simpática família (mensagem enviada uns tempos antes), os passeios pela cidade (guias recuperados de outra viagem)... Sem margem para o imprevisto? Não... uma viagem é um ovo, carregadinho de supresas, e esta não foi exceção!

segunda-feira, 5 de março de 2012

Mesa dos Sonhos


Mesa dos Sonhos

Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'


Os poemas não precisam de legendas, nem as deveriam ter. Mas quando lemos um poema de que gostamos muito - e eu gosto muito da poesia de Alexandre O'Neill - dá-se o reconhecimento de uma verdade interior, que implusiona a expressão e motiva a palavra. Os poemas também não são monumentos. Podemos falar deles, com eles e sobre eles - por isso estão vivos.
A "mesa dos sonhos" de que fala O'Neill é um grito de esperança num tempo de pessimismo e desilusão, como era o dele - a longa sombra salazarista - como é, de certo modo e talvez inesperadamente também o nosso tempo. Defendemo-nos da morte com os sonhos, ao lado uns dos outros - precisamos de um pequeno aburdo destes, todos os dias.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Prémios e concursos...de textos académicos

Estou, por estes dias, às voltas com a segunda revisão do que há-de ser o meu segundo ensaio publicado. Resultado da tese de doutoramento, chega ao prelo com alguns anos de atraso e depois de múltiplas tentativas frustradas para o publicar em editoras comerciais. Mais de uma dezena de cartas enviadas, duas ou três respostas recebidas, e sempre com o lamento de que não é possível, tenha lá paciência. Ensaios literários não vendem, e sem um mecenas apadrinhador, nada feito. Uma das editoras, conhecida e reputada na nossa praça, propunha a publicação a troco da compra de um número muito considerável de exemplares. Ou seja, pagaria e muito para ver o texto em forma de livro. Obrigadinha, mas bem basta não haver contrapartidas financeiras para o trabalho intelectual. O texto é dado, direitos de autor nem se pensa nisso, mas pagar para o publicarem, não merece muito a pena.
Entretanto, surgiu a oportunidade de concorrer a um fundo da Fundação para a Ciência e Tecnologia, que patrocina a publicação de Textos Universitários de Ciências Sociais e Humanas (é o nome do programa e da coleção), com a chancela da Fundação Calouste Gulbenkian. Concorri e o meu texto foi selecionado.
(Parêntesis para explicar que eu adoro concursos de todo o género e sou praticante assídua da modalidade.)
Já há uns anitos, coisa semelhante tinha acontecido com a tese de mestrado. Concorri ao Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores, na categoria de ensaio literário, e ganhei. O resultado foi este livro...


... publicado pela Difel em 2002, ao abrigo de um protocolo que tinham com a APE.
Refira-se que a Difel não colocava grande empenho nestas publicações - não houve revisão pelo autor, a distribuição era miserável e só por acaso alguém o encontraria nas estantes das livrarias. Também a edição gráfica era feita sem grandes cuidados...valeu-me a bela ilustração feita por uma colega e artista, a Teresa Oliveira, para tornar a capa atraente (o design das risquinhas era obrigatório).
Desta vez, estreio-me nas revisões do texto, e logo duas! Confesso que o livro já podia estar cá fora há muitos meses, não fosse a minha dificuldade em rever quinhentas e tal páginas de cada vez. Há sempre tanto para fazer que esta tarefa vai ficando para trás, apesar de a principal interessada em ver o livro publicado seja, obviamente, eu mesma.
Segunda feira envio as provas para a Gulbenkian e depois basta esperar algum (penso que pouco) tempo.
Já referi que adoro concursos?